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16/08/2013
Entrevista: Jorge de Paula Costa Ávila
Por um INPI articulado e sem papel




Em palestra no próximo dia 20 de agosto, durante o XXXIII Congresso Internacional de Propriedade Intelectual da ABPI, no Rio, o presidente do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), Jorge de Paula Costa Ávila, abordará a inserção do Brasil nos acordos internacionais. Na entrevista concedida à ABPI, ele antecipou alguns pontos que abordará sua palestra “Prosur e Integração das Américas” e tratou, entre outros temas, da modernização do INPI, da aproximação do órgão com as empresas e da a evolução do sistema mundial de Propriedade Intelectual no mundo.

ABPI: O que o Brasil vai ganhar com o Prosur, o tratado de cooperação regional de Propriedade Intelectual com os países sul-americanos?

Jorge Ávila: O Prosur segue a tendência mundial de cooperação estreita entre as autoridades nacionais e a propriedade industrial intelectual. De fato, há um aumento da demanda por direitos de marcas, patentes de desenhos industriais enfim, de todos os títulos de propriedade industrial em virtude da globalização. Segue que o mesmo pedido é depositado em muitos escritórios nacionais, o que justifica que haja uma colaboração cada vez mais intensa entre escritórios de propriedade industrial de diferentes países. E o recorte básico é o recorte regional, ou seja, em todo o mundo os países próximos estão colaborando entre si no sentido de racionalizar e organizar melhor a demanda por títulos nas diferentes regiões.

ABPI: Não poderá ocorrer que, mesmo os escritórios contratando mais e mais organizadores, não conseguirão atender a demanda?

JÁ: Isso já está acontecendo no mundo inteiro. Se os países não colaborarem uns com os outros, teremos INPIs gigantescos. Há que se diminuir este impacto, a ocupação excessiva de pessoas de alta qualificação examinando patentes, através de uma maior colaboração técnica entre os diferentes institutos de propriedade industrial.

ABPI: Então há um limite de crescimento de um escritório como o INPI?

JÁ: Não há um limite, pois teremos que crescer acompanhando a demanda. Agora, podemos crescer menos se pudermos tirar partido dos trabalhos dos escritórios da Argentina, do Chile, do Peru, da Bolívia. Isso num recorte regional. O INPI também pode colaborar com os escritórios de outros países, fora da região. A colaboração internacional também poderá facilitar o comércio, ao criar maior inteligibilidade dos direitos concedidos nos países que colaboram entre si, além de evitar retrabalho e otimizar a ocupação de mão-de-obra nos escritórios.

ABPI: Por que o Brasil não adotou o Patent Prosecution Highway (PPH)?

JÁ: O Brasil não utiliza o PPH porque desenvolvemos a Plataforma Eletrônica de Colaboração no Exame de Patentes (e-PEC), que é uma forma de colaboração sincronizada, na qual os examinadores conversam entre si, trocam ideias, coisa que com o PPH não existe. O e-PEC está implantado em regime piloto com os oito países do Prosur. Temos sugerido experiências com esta plataforma para a China, Japão e EUA, para que façam programas pilotos conosco.

ABPI: O INPI deve investir mais nos acordos bilaterais ou multilaterais?

JÁ: A gente faz ambos os tipos de acordos, sem problema. O INPI, nesta questão, colabora com a escolha que o governo tomar. Neste momento, nossa posição, em tudo alinhada com o governo federal como um todo, é a de que o multilateralismo é o melhor caminho, pois é potencialmente mais simples e eficiente. Teias de acordos bilaterais surgem como opção quando não se está conseguindo avançar na agenda multilateral. No que tange a patentes, por exemplo, se o PCT (PatentCooperationTreaty) pudesse avançar mais rapidamente e de maneira suficientemente abrangente, seria muito melhor aperfeiçoá-lo do que fazer PPH, e-PEC com outros países ou mesmo exames colaborativos no Prosur.

ABPI: O senhor tem dito que nos próximos anos haverá uma concentração de poucos e grandes escritórios no mundo. O INPI estará entre eles?

JÁ: Sim, não tem sentido imaginar que 180 países vão ter, cada um, um INPI com milhares de examinadores. O que está acontecendo no mundo é que alguns escritórios estão crescendo rapidamente, se fortalecendo, e vão se tornar cada vez mais importantes. Ou serão nacionais, com capacidade de apoiar outros países, ou resultarão da união de esforços de vários países. Neste sentido, um INPI pequeno acaba dependendo de um escritório maior. O que temos feito é claramente um esforço de fazer com que o INPI seja um dos escritórios capazes de apoiar operações regionais e de outros países.

ABPI: Mas, para chegar a este patamar, o INPI teria que se expandir nacionalmente, não?

JÁ: Sem dúvida, antes de mais nada o INPI tem que ter tamanho e capacidade técnica para atender à demanda interna. O aumento do número de examinadores recém-aprovados por Lei foi a condição fundamental para isso, agora atendida. A capacitação técnica e o nível de automação do INPI também avançam e já o colocam entre os mais capazes escritórios de PI do mundo.

ABPI: O número de 700 examinadores, já com as novas contratações autorizadas pelo governo, é suficiente para o INPI atender a demanda crescente de PI?

JÁ: As novas contratações vão facilitar muito a nossa vida. Quando eu cheguei aqui só havia cem examinadores. Com 700 será possível dar conta de 50 mil pedidos por ano, o que deverá ser suficiente para lidar com a demanda de até 2015 pelo menos. Teremos em breve um INPI em que os pedidos serão feitos por via eletrônica, com nenhum tipo de circulação de papel, com diretrizes de exame mais bem detalhadas, procedimentos bem mais rigorosamente definidos. Concomitante a isso, estamos aprofundando a colaboração internacional.

ABPI: Em sua opinião, que mudanças estão para vir no sistema mundial de PI nos próximos anos?

JÁ: O ambiente dos negócios está cada vez mais integrado no mundo, exigindo uma facilitação grande da celebração de contratos envolvendo tecnologia, marca, direitos de propriedade industrial. Uma universidade do Brasil vai querer fazer acordo com uma empresa Chile, uma empresa americana vai fazer parceria com uma instituição de pesquisa brasileira e uma empresa europeia. Para que esses acordos sejam possíveis, os direitos de propriedade intelectual tem que ser compreendidos de parte a parte. Não precisam ser harmonizados totalmente, mas têm que ser muito parecidos. Para isso, o sistema terá que ser mais simplificado.

ABPI: O atual sistema é retrógado?

JÁ: Pode ser meio retórico, mas não deixa de ser verdade que o sistema de patentes atual ainda se parece muito com o sistema fundiário no século 18, impreciso como a escritura que estabelece que um terreno começa na terceira pedra depois da curva do rio... A linguagem, a descrição dos direitos de PI é ainda muito precária, dá margem a dúvidas. Eu acho que experimentaremos um processo maior de racionalização, uma formalização maior dos direitos e uma padronização maior na maneira de descrever esses direitos.

ABPI: No rastro destas mudanças poderá haver uma aproximação, digamos, ideológica entre os detentores de marcas e patentes e o marco regulatório?

JÁ: Acho que sim. Teremos uma situação de mercado se consolidando no marco de uma economia que depende fundamentalmente de ativos intangíveis: conhecimento, prestígio, visibilidade etc. Os ativos como patentes, marcas, desenhos vão ser cada vez mais importantes no comércio. Não há como isso ser diferente.

ABPI: Haverá mais ou menos regulação?

JÁ: Imagino que no mundo inteiro teremos uma regulação mais racional e uniforme. Haverá uma compreensão mais clara do para que serve a propriedade intelectual. Hoje as pessoas que compreendem e usam o sistema de maneira adequada é muito maior do que dez anos atrás.

ABPI: Quais as evidências disso?

JÁ: Há dez anos não se imaginaria que nos cursos à distancia que o INPI vem ministrando em parceria com o SENAI, pudesse haver 100 mil alunos interessados. O curso tem como objetivo formar pessoas que entendam minimamente sobre a importância da propriedade industrial, para que serve, como se organizam contratos etc.

ABPI: O senhor imagina em breve alguns ajustes no marco regulatório, por exemplo, na área de tecnologia?

JÁ: Estamos finalizando uma resolução neste sentido, que será lançada durante o congresso da ABPI. Ela simplifica o entendimento de exame de contratos e restringe esses procedimentos ao estritamente exigido pela Lei 9.279. Com isso o INPI vai deixar de influir nas cláusulas livremente pactuadas entre as partes. Também estamos evitando revelar informações estratégicas das relações de parceria tecnológica típicas do paradigma da inovação aberta.

ABPI: E em relação à questão da Anuência Prévia da ANVISA, o senhor considera que foi equacionada?

JÁ: Em principio sim. Frente ao atual marco legal, acho que chegamos ao melhor procedimento possível. Ainda será preciso testar. É óbvio que a sociedade pode e deve discutir se a Lei deve ser aperfeiçoada.

ABPI: E a revisão do marco legal da biotecnologia?

JÁ: As condições dificultadas de acesso para as empresas repercutem na apropriação do resultado da pesquisa. A legislação atual determina que, no descumprimento das regras de acesso, perca-se o direito à propriedade do resultado. Além disso, mesmo cumprindo os procedimentos, tendo garantido o direito na propriedade do resultado, a apropriação permitida pela Lei é muito limitada. No Brasil não concedemos patentes para nada que seja oriundo de biodiversidade. Em outros países pode-se, por exemplo, isolar uma molécula de veneno de uma cobra e, com isso, fazer um remédio para combater o câncer. E obter a patente. No Brasil, isso vai ser considerado parte de um ser vivo,ou seja, substância natural não patenteável. O entendimento que estamos construindo e que ainda não está claro, especialmente na área de saúde, é que a patente deve servir para proteger qualquer solução tecnológica, pois apenas assim se torna possível direcionar investimentos privados para seu desenvolvimento em produtos e serviços que cheguem aos mercados.

ABPI: A biodiversidade brasileira também tem a sua ANVISA, o Conselho de Gestão do Patrimônio Genético, o CGEN...

JÁ: Como dito anteriormente, o problema é que, se o CGEN não autoriza o acesso à pesquisa, cria-se um problema: ninguém pode obter a patente sobre o que foi desenvolvido. Eu tenho defendido que negar a patente, destruir a patente é sem cabimento. Conceda-se a patente e depois se a confisque, se for o caso. Negar a patente por descumprimento de regras de acesso é como, frente a um empréstimo tomado junto ao BNDES para construir uma fábrica, no caso de inadimplência, ao invés de se tomar a fábrica, destruí-la. Não tem cabimento. Ora, se alguém ficar inadimplente com o poder público ou com os ribeirinhos, é correto que tenha que pagar uma multa, ser penalizado, até mesmo perder a patente. Mas não acabar com a patente, por que isso é destruição de valor. É fundamental que isso seja discutido no marco legal da biodiversidade brasileira.

ABPI: O que se pode esperar das parcerias do INPI com entidades do setor privado, como a ABPI?

JÁ: É salutar que, nos últimos anos, a ABPI tenha se aberto mais para os proprietários dos direitos de PI, das marcas e patentes, deixando de ser uma entidade unicamente dedicada à discussão entre os prestadores de serviço de PI. A propriedade intelectual existe para as empresas, é a maneira que o estado encontra para assegurar que haja um ambiente favorável para o desenvolvimento de negócios no país. É preciso tentar entender o que a indústria precisa no campo regulatório para que o investimento seja feito. Como a indústria muda o tempo todo, o tipo de proteção que a cada momento é adequado oferecer não é necessariamente igual ao que precisava no momento anterior. A parceria com a comunidade interessada em PI nos permitirá compreender as mudanças continuamente.

Texto: Rubeny Goulart
Imagem: Divulgação/INPI